Formação Profissional: a perspetiva dos formandos
a vida é um ensaio
A ARCIL incrementou o Programa de Formação Profissional no ano de 1986 e, desde então, tem realizado mudanças na sua estrutura que lhe permitem alcançar as diversas necessidades especiais das pessoas e as políticas reabilitadoras de apoio a esta população. Atualmente, os 11 cursos de formação profissional que ministra têm enquadramento financeiro e normativo no Programa Operacional de Inclusão Social e Emprego (POISE), Medida 3.1 – Formação de Pessoas Com deficiência e/ou Incapacidade.
Neste pequeno artigo relevamos a opinião de formandos que já concluíram o seu processo formativo e que se encontram a trabalhar, dando assim primazia à epistemologia do sujeito (conhecer a realidade através da narrativa dos atores).
Assim, entrevistámos formandos que concluíram os seus cursos e que vivem dos rendimentos do trabalho, segundo um guião de perguntas abertas associadas aos seguintes eixos: valorização, oportunidade de mudança, estatuto, rede de sociabilidade, autonomia e projeto de vida.
Os entrevistados consideram-se mais valorizados após a frequência do Programa de Formação, salientando que adquiriram conhecimentos técnicos da área de formação que frequentaram, consistências na rotina do dia-a-dia, cumprindo um horário de trabalho e as regras inerentes ao mesmo, caminhando na direção da representação positiva por diversas entidades estruturantes da sua vida, desde a família até aos tribunais, “(…) quando chegamos a algum lado e nos perguntam o que estamos a fazer, já não dizemos que só vivemos do RSI, podemos dizer que estamos a fazer um curso de formação (…) e assim passam a olhar para nós e a falar-nos de outra maneira”.
Todos os entrevistados revelaram nos seus discursos que o curso de Formação Profissional lhes permitiu adquirir uma energia positiva “ir à luta, não baixar os braços”, “sair do marasmo da minha vida, da falta de iniciativa, do vazio”, “ter dinheiro para viver com dignidade e objetivos de vida”. Uma das pessoas comparou o seu percurso ao do alpinista que escala a montanha e que avança e recua consoante a sua capacidade respiratória e adaptativa, acrescentando que aprendeu a caminhar devagar e com precaução, sempre com olhos postos no cume da montanha, tantas vezes escalada ao longo da vida. Uma outra pessoa, comparou o seu percurso ao verde do planeta terra. Para esta pessoa a Formação Profissional foi a oportunidade de sair de trilho de autodestruição para o da esperança, onde se cruza com a possibilidade de se reinventar e viver.
No que concerne ao estatuto, todos são unânimes em considerar que passaram de pessoas sem valor e sem voz para pessoas com rosto e com opinião sobre as suas próprias vidas. Passaram a poder apresentar-se como “formandos”, como alguém que está a fazer algo por si e pela sociedade “mostrei que estava a tirar um curso e recuperei o direito às visitas aos meus filhos”, “a relação com a minha mãe melhorou muito porque ela via-me sair todos os dias de casa para ir para um sítio onde aprendia (…) a ser mais (…) a ir em frente, fazer algo pela vida”.
Olhando para o verso da medalha, quando questionados, o que acha que lhe teria acontecido se não tivesse vindo para um percurso formativo, referiram com elevada emoção “teria sido preso”, “continuaria a viver miseravelmente com o RSI”, “não teria saído do marasmo, mantinha-me sem objetivos, sem vida”.
Rede de sociabilidade e relações interpessoais. Todas as pessoas entrevistadas referem com significativo agrado que deixaram de estar sozinhas, “eu não tinha ninguém e hoje tenho cerca de 10 amigas, com quem posso contar”, “aprendi a manter-me na relação com as pessoas, a ter paciência, tolerância e capacidade de ouvir; fiz duas amizades muito importantes na minha vida” “estava absolutamente só, sem família e amigos; todos me tinham voltado as costas, mas agora tenho a minha filha regularmente, visito a minha mãe e tenho amigos que fiz no curso”.
Autonomia e projeto de vida. As pessoas entrevistadas referem que ganharam consistência, capacidade de se manterem à tona da água. Têm consciência que ter trabalho é central nas suas vidas, mesmo que esse trabalho não seja na área do curso de formação. A este propósito, referem terem adquirido competências transversais para todos os tipos de trabalho, como sendo higiene pessoal, apresentação, assiduidade, ser educado na relação com as pessoas. Um dos entrevistados referiu “ainda estou a aprender a comunicar, mesmo sabendo que é preciso poucas palavras para viver” e uma outra pessoa disse “aprender a ter paciência com as pessoas, fazer com os outros o que fizeram connosco”, cumprir as funções atribuídas, saber gerir o dinheiro, chegando ao fim do mês sem dívidas e, se possível, com alguma poupança. Dois dos entrevistados sonham viver numa casa só deles e com uma companhia para “ocupar o ninho”.
Por fim, o que mais os marcou durante o percurso formativo. Um dos entrevistados refere “(…) lembro-me de um dia ter reincidido na minha adição, telefonei para a minha técnica de referência e contei-lhe todos os pormenores. Ela ouviu tudo o que eu tinha para dizer e no final só me disse – vá para casa e aninhe-se! Senti uma grandiosa compreensão, uma libertação da culpa, um mimo. Jamais me esquecerei. Quando me acontece algo que me faz sofrer lembro-me daquela frase”. Uma outa pessoa contou-nos “(…) quando passava junto a um placard que estava junto às salas de aulas e lia a frase “andar à chuva e ser feliz” ficava a pensar como isso estava a acontecer comigo de uma forma tão libertadora”.
Em suma, a Formação Profissional e o trabalho conferem às pessoas uma espécie de humanidade porque as pessoas passam a fazer algo com os outros, a fazer algo pelos outros, a fazer algo em comum, a fazer “obra”. O resultado é que as pessoas passem a ter mais importância e caminhem na busca incessante por um lugar no mercado de trabalho – o lugar da inclusão.
Autoria: Maria Emília Santos | Assistente Social |Programa de Formação Profissional 4 de novembro de 2021![]()